23 de abril de 2009

A TRANSPARÊNCIA DA ÁGUA

A buzina do padeiro anuncia que são oito da manhã. Meus dentes já escovados amarelam-se com a nicotina do terceiro cigarro. A rede pendurada no quintal range com o balançar das crianças. O sol procura uma fresta pra me tocar, mas não vou muito com a cara dele, prefiro os dias cinzentos... Essa falsidade do azul do céu me irrita tanto quanto todas as falácias humanas. E há mais quem creia nesse azul do que no acinzentado das nuvens. Pobre água. Tanta metamorfose, tantas caras, tanto ser, e todos ligeiramente desprezados. A sutileza invisível que toma ao subir até as alturas e nos cobrir com seu manto. Tremulando o horizonte nos dias em que o sol nos convence de que o céu é azul... E daí? O teatro do invisível é mais realista do que os cenários que se constroem ao redor de uma verossímil mentira. A construção da realidade não é privilégio dramatúrgico. Os tais mistérios que existem mais do que sonha nossa vã filosofia são parte do intocável mundo deixado de lado, dado ás traças. É mais fácil crer no que se vê, é mais fácil ser o que se espera, é mais fácil entregar-se a facilidade de tudo que nos tange, penetra e consome. Tememos mais as baratas do que os vírus (a Covid mudou isso). É mais fácil ser um personagem do que várias pessoas ao mesmo tempo. Nesse complexo ínterim, não me arrisco ser apenas um céu azul. Tomo minhas formas, sou todos os “eus” possíveis e inimagináveis. Escorro, transpiro, sou água. Da urina à lágrima, da fonte ao esgoto, do subterrâneo ao céu. Sou eu. Não posso me dar ao luxo de deixar certas facilidades tomarem conta da minha vida e da minha existência. Congelo. Derreto. É difícil, dolorido, mas sempre volto a ser algum de mim.
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12 de abril de 2009

DEPOIS DO DOMINGO DE PÁSCOA

“Depois do domingo de páscoa, segunda é o dia.”. Isso é Fellini. Não o cineasta, mas a banda paulista dos anos 80. A ressurreição. Ressurgir. Uma nova vida. Acordei mal humorado sabido de que não seria um dia perfeito. Afinal nada é perfeito. Na sexta feira, por coincidência, morri. Não sei por onde andei até hoje, domingo, mas sei que é hoje o dia da ressurreição. Quem sabe?

Na verdade pouco importa. Morto andei, comi, bebi, falei, joguei, dormi, acordei. Morto vivi e viverei, até a próxima morte ou renascimento. Tenho um lema, que me remete ao produto com o qual minha mãe me entupia na infância, o “Biotônico Fontoura”: “Tudo posso naquele que me fortalece”. Eu sei que isso é o salmo 22. Mas pra mim é um comercial do “Biotônico” e pronto!

Terminei o primeiro parágrafo com uma interrogação, o segundo com uma exclamação, e pode parecer que isso é acidental, obra do acaso. Não. Nada é por acaso. Não importa se um pedaço de mim morreu, ou se só um pedacinho está vivo. Com ele vou me rastejar se necessário, vou fazer com que as células sadias se multipliquem, estarei inteiro em algum tempo e tudo que levarei será a “Amarcord” como Fellini, o diretor de cinema, transformarei o fel em poesia, a dor em melodia, as lembranças em imagens em movimento. Não preciso renascer. Nem preciso estar vivo. “Estarei presente no final dos dias, estarei presente estarei, cantando quem sabe novas melodias que nos seus lábios ressuscitarei”. Há uma grande dor em ser eterno. Mas isso é um grande consolo...

Uma dúvida? Uma resposta! A continuação... Assim são os parágrafos. Assim é a vida. Sem ponto final...

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