27 de fevereiro de 2009

AMANHÃ É TARDE

Ontem acordei sem vontade de falar ou de escrever, sem vontade de sair de casa ou de que alguém me visitasse, sem raiva ou esperança, sem dor ou euforia. Ontem foi um dia comum. Foi mais um dos 13.803 dias em que vago por essas plagas. Em que procuro a grande razão, em que critico a razão pura, em que me levanto por necessidade, onde me arrisco ser feliz. Parece tolo ou louco, mas ser feliz, a grande obrigação humana, é pra mim a causa de maior aflição e confinamento, sempre foi, o amanhã que nunca chega, a manhã seguinte que vem revestida de orvalho e de perfume de flores primaverais contra a neblina que embaça minha visão, hipermetropia que me cega de perto, pras coisas mais próximas, pro hoje, pro agora. Vejo sempre além. Só além. Nunca aqui.

Pensar que na infância meu herói predileto era o Drácula. Coisa de criança. Alguns queriam voar, outros atravessar paredes, outros derrubá-las, eu queria resistir a elas. Queria vê-las roídas pelo tempo, queria ser eterno. A eternidade seria o maior castigo para alguém, se não fossem os esquecimentos não sobreviveria nem mesmo aos dias que já contei.

Amanhã! Lá vou eu novamente pro amanhã... Amanhã quero me levantar e deixar o dia me atravessar, sem que eu atravesse o dia, calar a boca e abrir os ouvidos. Deixar a pedra rolar como já propunha há tempos, contra a maldição de Sísifo. É, parece que não há lugar no espaço-tempo pra quem deslocou a lógica da “felicidade” pro amanhã. Mas essa realização é a busca. Não é como pegar um trem com destino a Central do Brasil, é mais como ir para a terra do nunca, polvilhado por pó de fadas. Essa felicidade não existe.

A felicidade que existe é a de me levantar todos os dias sem vontade de me levantar ou de que alguém me visite, movido pela necessidade de planejar “como será o amanhã?” e imaginar as flores e o seu perfume, ficar mau humorado com a música alta do vizinho, com a fumaça do lixo queimado na redondeza, e com todas as coisas que me irritam... É saber que tenho lindos sorrisos em minha direção, que por algum motivo mais insano que eu há quem me ame desta forma e que serei sempre assim, vítima feliz e consciente do sisifismo. Sim, feliz! Fazer o quê?

0 comentários:

Postar um comentário

 

  © 2009 DIÁRIO DO CLAUSTRO CONTEMPORÂNEO