16 de março de 2009

AS FORMIGAS E A PORTA DOS FUNDOS

A noite chega. Fecho a porta dos fundos e as janelas da cozinha. Procuro algo para preparar para o jantar. Tenho preguiça. Acho melhor não fazer nada. Vou até o quintal varrer as folhas que caíram das árvores do vizinho, no meu há somente um pequeno pé da acerola confinada em um pedaço de terra cercada de cimento, nem vejo suas folhas no chão. A água está fraca, não posso lavar o quintal, a poeira e as formigas me irritam. Queria mandá-las ralo abaixo, mas não posso.

Coloco uma música para ouvir, ligo a TV, jogo bilhar contra o computador, fumo um cigarro na cadeira da varanda... As formigas mordem meus pés... Formigas! Devo novamente dormir tarde, nada me traz o sono ou a vontade de acordar cedo amanhã. Lavar a louça, escovar os dentes, tomar um banho, catar os cabelos que caem no ralo do chuveiro. Preparar um café. Bem doce. Uma torrada seria uma boa companhia, mas a padaria ou o mercado é tão longe... Não tenho ouvido o padeiro tocar sua buzina.

Vou escrever alguma coisa hoje, um roteiro talvez, chega de filosofias sobre o que ninguém se importa a não ser eu... Preciso parar de me incomodar com a superficialidade humana atual. Vou fazer algo pra almoçar, arroz e estrogonofe. Já faz dois dias e ele não acaba. Não sei fazer comida só pra mim, é como escrever pra si, sobra. Tenho tido idéias sobre o modernismo antropofágico, nossa cultura plural e única, que riqueza. Consumimos a cultura do mundo inteiro e fazemos um panelão de angu à baiana, onde vai de tudo! Mas a elite não come angu à baiana... Deve ser por isso que sentem tanta vergonha de sermos esses malditos colonizados, provincianos, que catam um ingrediente aqui e outro ali, misturando tudo feito um baião de dois. Eu gosto! Penso que essa é a essência de nossa cultura. Uma cultura antropofágica pós-modernista tropical. Quero ver alguém superar isso.

Mas os que “mandam”, que “decidem”, só bebem uísque. Ou bebem cachaça pagando 12 reais por dose pra sentirem-se brasileiros. Metem uma sandália fedida de couro nos pés e se sentem Lampião. Modernos! Eu bebo rabo de galo, e se tiver, meto um uísque no meio também. Uso havaianas e all star. Mas hoje nem bebi. Comi o estrogonofe, assisti futebol na TV, ouvi música, varri o quintal e só não lavei porque a água estava fraca. É noite. Tenho que fechar a porta dos fundos e as janelas da cozinha. Os gatos andam invadindo o silêncio de minha casa.

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